segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Fim dos tempos


         P oucas vezes, na história deste país, vi rebuliços como o fim dessa última novela. Talvez, quem sabe, o suicídio de Getúlio Vargas, a derrota na copa de 50... ou nada disso, já que só me vêm à cabeça tragédias nacionais e não sei ao certo se o último capítulo de “Av. Brasil” pode ser classificado como tal. Na verdade verdadeira, eu nem assisti. Carrego mais esta mácula em meu nacionalismo, junto com a de não entender abacate sobre futebol e nunca ter ido à Bahia. Mas no caso não é preciso saber muito: a mobilização foi tão grande que é como se tivesse assistido não só o último, mas todos os capítulos da novela.
         Começou nas bancas de jornais, nas capas de revistas, nas conversas corriqueiras. A Veja, entre dois Mensalões, lhe dedicou uma capa. Depois passei a reparar naquelas televisõezinhas de ônibus: lá também se passava um resuminho da novela, não vi de pirraça. Mas para meu desespero o cerco começou a se fechar por outros lados: amigos próximos, considerados pessoas cultas e ilustradas, chegavam nas mesas de bar animados com as aventuras de Carminha ou de Tufão, e não mais pela crise econômica ou pelas eleições municipais. Tenho de reconhecer: precisamos nos aproximar do povo. Também a semana passada já começou anunciando o abalo que seria o fim dessa novela: jornais comentavam, afoitos, o fenômeno, as reações. Brotaram rumores de um apagão nacional, à la Fernando Henrique Cardoso, frustrando a coletividade e prometendo, talvez, a revolução brasileira que Caio Prado morreu sem ver. Um ou outro jornal satírico previa uma ainda mais catastrófica “falta generalizada de assunto”, uma verdadeira crise moral. Fico me perguntando se tudo isso já não é alguma espécie de crise, desde que comecei a me sentir, também, sem assunto, quando meus amigos e próximos começavam a discutir a novela. Cheguei a achar que o problema fosse eu mesmo, consultei o analista, entrei em depressão, fiz avaliações. Mas mesmo assim não me comovi, e teria relevado esta como muitas outras novelas de sucesso não fossem suas repercussões na vida prática: o engarrafamento infernal que peguei na sexta à noite, por exemplo, num bairro até pacato da capital paulista, por conta da loucura generalizada que não podia porque não podia perder o tal do último capítulo da Avenida Brasil.
Mesmo sabendo que no dia seguinte tinha reprise.
         E não parou nisso. Desci no fim da Henrique Schaumann e saí com uns amigos para tomar uma cerveja, honrando a sexta-feira pelo que ela é e sempre foi. Mas até aí teve conspiração: o bar em que íamos sempre estava entupido de gente estranha, principalmente de mulheres de seus trinta, quarenta anos, que assistiam a tv com a fixação de um cachorro faminto. O silêncio imperava, perturbado somente por esporádicas exclamações generalizadas. Fenômeno sexualmente análogo ao do futebol, quem sabe.
         Foi só depois de rodar um tantinho que achamos um bar com espaço para lunáticos e alienados. O movimento era o mesmo: muitas mulheres lá dentro,  mesas de homens lá fora. E a conversa mesmo assim não podia se desviar do movimento geral, pretendendo torres de marfim: volta-e-meia uma frase era cortada por um grito generalizado, vindo de todos os lados da rua. Predominava a voz feminina, rendendo a uma amiga a piada de que tinham derrubado milho dentro do boteco. Já os homens, bem mais embriagados e bem menos organizados, gritavam a sua maneira, um deles se exaltando em algum momento mais do que os outros e falando: “Eu sou um Tufão mesmo, viu! Sou um puta de um Tufão!”, eliminando possíveis sexismos. De modo que o assunto se impôs: parece que a novela foi realmente envolvente, devido a enorme quantidade de desventuras e picuinhas que a compuseram, fazendo, de fato, com que todo mundo vidrasse, querendo saber o que aconteceria no próximo episódio. Por outro lado a coesão geral foi fraca, boicotando o desenlace e fazendo com que essa comoção logo se tornasse uma broxada nacional, o que pude constatar a partir de segunda-feira.
         Já ninguém comentava a novela nos pontos de ônibus, nas redes sociais, nos botecos, nos comércios. Os assuntos já eram outros... mormente a salvação do Palmeiras e a nova novela das nove. Não me perguntem qual é, sou ruim com nomes, e, enquanto ela passa, estou escrevendo. Fico pensando que estamos na reta final das eleições municipais... e como petista de ocasião, não posso deixar de ficar contente: ninguém dá muita corda para a outra novela federal que é o julgamento do mensalão, e mesmo a imprensa laranja já tocou a vida pra frente, esquecida como lhe sói ser, falando de amenidades depois do trauma novelístico de tão grandes proporções. Por ironia brasileira teve apagão só no Distrito Federal: a classe nessa sexta bebeu uísque sem gelo. E aproveitando, senhores governantes, faço um apelo: precisamos providenciar com urgência algum assunto nacional! A população já sofre: intermináveis silêncios ocupam os ônibus lotados, os botecos já não vibram com mais nada, os salões de cabeleireiro não têm mais a vida que tinham, nas bancas de jornais se lê em silêncio. Teria a crise chegado ao Brasil? Em sua forma moral, talvez? Pouco provável. Os brasileiros têm fôlego e ânimo para discutir qualquer assunto, contanto que seja interessante. Acontece que a política, como a novela e o futebol, sem barraco ou risco não tem lá muita graça... e a eleição por ser municipal também não consegue as proporções que a Globo alcança. Teria de dizer respeito a todos os estados: em Brasília, por exemplo. Se, suponhamos, pegasse fogo ou fosse abduzida, garanto que seria muitíssimo comentado.

Um comentário:

  1. Texto muito bem formulado, muito bom... Haha, a temática é ótima, inda mais nessa sua empreitada rumo ao mote político literário jornalistico que eu adoro. Bom, veja bem... O final, talvez, poderia ser mais enfático. Mas, de qualquer forma, o texto está muito bom. Meu bom, meus bons parabéns e outras boas coisas.

    Beijos grandes!

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