sexta-feira, 30 de março de 2012

Pelas ruas da saudade


         Saudade, assim como cidade ou necessidade, é claramente um substantivo concreto. Não pode haver qualquer saudade abstrata – disso se trata a tal da nostalgia, coisas do tempo, pura indeterminação. Já a saudade é concreta, definida, pontual. Daí que não consiga entender como alguém sinta saudades do Brasil, ou do tempo em que não viveu, ou de sua juventude, enfim, semelhantes disparates. Pois essas pessoas certamente, enquanto formulam a expressão de sua tristeza, têm muito clara em suas mentes a imagem a que se refere a expressão saudade. Não lhes vêm as linhas de um qualquer meridiano, ou o RG com a data de nascimento e a data de expedição: vem-lhes uma cena na sala, um sorriso de amigo, um barulho de copo, uma paisagem, um ruído na noite, um corpo nu... nada de abstrações sentimentais, é tudo concreto, principalmente a saudade. Como cidade, ou necessidade, coisas de sufixos, repito.
         Por isso me recuso a dizer que, agora, nesta noite fria e sem perspectivas, além da tela branca que se abre ao mundo que perco, sinto saudades do Brasil. Coisa nenhuma! Cada dia que passa esqueço mais da geografia de meu país, suas fronteiras, seu idioma e seus rios principais... qual a data da independência? Qual é mesmo nossa capital? E talvez por ser eu mesmo brasileiro não consiga determinar com clareza e saudade qual seja o meu povo, a minha história, minha religião oficial, nem minha raça... aqui, passo por francês, por italiano, muitos chineses ou oriundos do Oriente Médio nem sequer sabem que o Brasil existe. E de fato, me questiono, sem memória: existe um Brasil?
         Não me recordo... as minhas lembranças vagam diante do portão de um cemitério, onde alguns bêbados se reúnem de noite, e também alguns carroceiros, e dormem sob os arcos do portão, sob as poucas estrelas de São Paulo, sob o silêncio dos defuntos... mas trata-se da Cardeal Arcoverde, e o barulho é todavia infernal. Minha lembrança atravessa a rua em perspectiva, sem perder de vista o eterno portão, que, apesar de marcar o fim da Cônego Eugênio, para mim é marco eterno, começo. A rua em que cresci! Numa esquina em funil a velha loja de túmulos, hoje fechada, dividia a noite com um bar de jazz, e mais para cá... o restaurante de meu pai, meu tio fumando um cigarro na porta, falando sobre o Corinthians com o tomador de conta de carro, que se encosta na parede vizinha. Outrora Maria Clara ajeitava sua bicicleta, ouvindo reggae, sorrindo calma ou praguejando, cansada. Isso já dos tempos de restaurante, porque ao longo de anos e mais anos de minha vida também foi casa, galpão, escritório, bar, loja de móveis, e num passado remoto até mesmo floricultura. Como, vindo-se mais para cá, já passando meu prédio, e a vila em que morei três anos, a floricultura do Renato. “Flores Rinaldi – desde 1953”, diz a placa na frente, e eu não duvido. Tive eu mesmo a oportunidade de conhecer o velho Rinaldi, quando criança, é verdade, italiano franzino, já velhinho, com sua eterna boina surrada, marrom perdido entre a cabeça calva e o colorido da floricultura. E sobre a floricultura, outra minha casa, outra minha rua, a rua da varanda florida em que fumava escondido e gritava pro Márcio no boteco do lado
         - Márcio! Mais duas cervejas!
         Quando tinha visita minha e a família estava fora, Chico Buarque na vitrola, a vista para o prédio horrível na minha frente. Mas descia e lá vinha o seu Medeiros, atrás da boina e do bigode, dois cascos na mão, avental azul, eterna e roufenha melodia assoviada, “Ô garoto!” Talvez não saiba até hoje o meu nome, mas não importa, trazia-me cerveja sobre o sol de outubro, e o cheiro de doce da fábrica nos fundos do bar se misturava ao das flores ao lado, mais a fumaça de um carro que passava, mais a poeira sobre os móveis, no LP do Chico Buarque. Pulava a varanda e estava na rua, estava no bairro.
         Pinheiros! Cidade concreta, bairro dos bairros, província secreta no ventre de uma capital... outra província. Entre as desgraças diárias, trânsito, polícia, miséria, demolições, dois amigos se cumprimentam sobre um viaduto próximo, e resolvem-se por uma cerveja no mesmo velho bar, que em um mês se fecha, um amigo morre. A casa se vende, as pitangueiras secam, todo o bairro se transforma... de eterno, só os portões do Cemitério, até os vagabundos desaparecem, enxotados pelas rondas da Teodoro Sampaio. Só mesmo o Cemitério. E eu distante, alheio ao torrão natal, estranho torrão! Estranha província! Nem a perspectiva da volta é capaz de me alegrar: o bairro que vejo, agora, entre essas linhas e minhas ideias, esse bairro é eterno, sólido, concreto. É Pinheiros de fato, não o que encontrarei em agosto, carcomido, ainda mais largado, sem Largo, sem praça, sem vida... e então, sem alicerces para fundar saudade certa, vagarei perdido, preso, afogado entre sombras e automóveis, tentando recompor um bairro de cacos achados no chão, tentando recordar algo além de um sonho de infância. Enquanto o Brasil prosseguirá nos mapas, e não tenho razões para chorá-lo.

quinta-feira, 29 de março de 2012

Na boca das urnas


Descemos na estação da Ponte Kuznêtski, depois de baldear na Lubianka, onde acabamos encontrando mais duas moças que se dirigiam ao mesmo café, com o mesmo propósito. Mais diversa reunião de pessoas seria difícil de encontrar: um americano, um brasileiro, uma estoniana, uma alemã, duas russas e uma polonesa, e a predominância leste-europeia nas nacionalidades fez naturalmente com que a conversa se passasse em russo, exceto algumas raras observações da alemã à polonesa – o camarada americano se recusava categoricamente a falar inglês, medida a que aderi com entusiasmo.
         Mesmo sendo domingo, e um domingo cinza e de eleições presidenciais, nem por isso o metrô deixou de estar cheio, e só conseguimos ganhar a rua depois de atravessar camadas e mais camadas de multidões, sendo que no vagão ficamos o tempo todo de pé. A lentidão para sair se explicou à porta: duas filas de policiais obstruíam o caminho, vigilantes, e não à toa, já que há não muito tempo atrás explodiram alguma das inúmeras estações de metrô moscovitas. Mas não foi na data das eleições, isso é certo. De qualquer forma, evitando confusões ou quem sabe até suspeitas, apertamos o passo com discrição e dentro em pouco já estávamos subindo as escadarias que levavam ao pequeno café, oculto por diversos anúncios e fachadas, no fundo do segundo andar, não muito longe da estação.
         Uma das russas, que carregava um violão, foi cuidar de alguns preparativos, enquanto nós nos sentamos numa mesa de canto, junto a um sofá e uma gaiola com uma mesa dentro. Não demorou muito e dois ou três poetas foram se sentar lá dentro, cinzeiro abarrotado, telas e papéis espalhados na pequena mesa redonda, olhos compenetrados atrás das diversas armações de óculos. Assim, todas as outras mesas – não que fossem muitas - foram lentamente sendo ocupadas por jovens, daquela bem humorada seriedade russa, com papéis, cadernos, livros, telas, instrumentos ou só canecas de cerveja. Como eu e o americano já tivéssemos farreado juntos na noite anterior, de onde o convite para este domingo, resolvemos por bem cuidar da saúde e rachar uma dose de chá preto, e contra a sua vontade também acabamos rachando o seu maço de cigarros. No aparelho de som, ao invés da habitual música pop dos anos 90, ou do technomusic do ano três mil, ouvia-se um disco dos Beatles, num volume que permitia a conversa descontraída de um domingo melancólico, sem as habituais imposições modernas à felicidade, ao gozo maior, à descontração: cinco ou seis seres humanos reunidos em torno de uma tábua, enquanto um movimento desconhecido, mas esperado, fervilhava do balcão ao lado oposto do bar, onde algo muito parecido com um palco começava a se destacar em uma humilde iluminação, e em uma cadeira vazia.
         Mas, súbito, a mesa do lado oposto se calou e uma pequena figura, olhos ativos e clara desenvoltura, subiu ao palco e aumentou o tom de voz.
         - Meus caros! Muito obrigado por terem se juntado a nós nesse dia, nesse pequeno encontro que realizamos de vez em quando. Quem quiser, por favor, que suba ao palco, leia seus textos ou textos de outros autores, cante uma música... eu, que tentei ser pedagoga e não consegui, também tentei ser escritora ou poetisa, mas também não deu certo. Daí inventei de tentar ser atriz. Agora mesmo, queria ler alguma coisa, mas não posso, porque não consigo. Mas posso cantar, e com licença, sentada, porque ficar de pé me constrange.
         E depois dessa modéstia muitíssimo bem ensaiada, pôs-se a cantar uma música belíssima, provavelmente do cancioneiro popular, que não reproduzo aqui a letra por incompetência no idioma e ressaca na data específica. Acabou, agradeceu, e voltou para aquela mesma mesa oposta, agora claramente determinada como mesa dos “figurões” do sarau, até porque foi dela que o próximo leitor se levantou e, com calma, pôs-se a ler alguns versos de Maiakóvski, e também porque a russa com o violão, que viera conosco, tinha acabado de se sentar por lá.
         Depois de Vladímir, veio Marina, lida pelos lábios de uma estudante da faculdade de filologia que também admitiu a sua, digamos, ausência de vocação para a palavra escrita. Mas nem por isso deixou de fazer uma boa interpretação da falada – pelo pouco que consegui entender na minha ressaca e no meu russo estropiado. Nossa mesa, composta praticamente só por estrangeiros, que, embora entendessem e se comunicassem na língua russa, mal conseguiam acompanhar o ritmo sereno e ágil das palavras poéticas eslavas orientais, mesmo assim se admirava com a dedicação e a força de algumas declamações. Um rapaz havia musicado Brodski – fortíssima apresentação, aquela melancolia tão esquisita e gélida que o norte consegue imprimir ao violão e que nos é absolutamente estranha -, outros citavam e recitavam seus autores favoritos ou, ao menos, que vinham ao caso. Até o americano acabou se animando e leu alguns versos em inglês, ao que eu, num acesso de chauvinismo e sem-vergonhice, resolvi cantar Vinicius, ainda que incompreensível a todos. Mas fui aplaudido, e pude ainda ter o gosto de ouvir que “o português é uma língua linda”
         Acabada a etapa das citações e memórias, os poetas vivos começaram a aparecer, atrasados, bêbados, ou simplesmente distraídos ou nervosos em suas mesas de canto, em suas conversas de sempre e de nunca. Estranhas criaturas, onde quer que estejam! Mesmo o homem atrás dos óculos e dos bigodes, como diria Drummond, e como, aliás, foi o próprio Drummond, guarda mistérios e exagero na sua simplicidade. E esse é o tipo mais raro: normalmente são seres extravagantes, imponentes, ou com pretensões a tanto, mas de um jeito tal que essa extravagância só se percebe em um segundo ou terceiro momento, num gesto, numa fala, enfim. Os poetas reunidos no fundo daquele café não poderiam ser diferentes: eis que  o primeiro se levanta, com folhas soltas numa mão e balançando a outra com exagero. Era espichado, magérrimo, cabelos compridos e um sorriso alegre e contido, que se abria com força, quase num grito, conforme recitava seus próprios versos urbanos, sobre caminhadas no metrô, tardes de sombra, ou pelo menos do que eu pude entender. Aplaudido, curvava-se bem desengonçado, e voltava para a mesa no fundo do balcão, onde era incógnito. Depois dele logo se levantava o soturno sujeito sentado na gaiola, com uma tela na mão, rosto inexpressivo, monotonia fina nos versos brancos. Agradecia, sorria de canto, e voltava para a jaula. Também a extravagância feminina se manifestou em versos da tradicional lírica amorosa russa, tocha herdada de Akhmatova e Tsvetáieva, numa figura esguia e apaixonada, cabelos pintados, de salto alto.
         Nesses saraus, não é difícil perceber como, depois que tomam coragem, os mesmos poetas se revezam e prosseguem nos mesmos temas, como que dialogando, e no fim das contas já não fazem cerimônia para subir ao palco, agradecer ao público e até se enrolar, e fazer piadas. E assim foi. Confesso que, de todos, o primeiro, o magricela, foi o que mais me agradou. Havia qualquer coisa de Maiakovskiana em seus versos, não só na forma com que os declamava, mas na temática cotidiana banal que esculpia e transformava em epopeias do prosaico. Mal contive minha alegria quando soube que tinha um livro a venda, edição própria, por irrisórios cem rublos, e decidi ir falar com ele assim que o sarau terminasse. Mas numa certa hora, alguém, creio que a moça poetisa, fez por bem recitar alguns versos, digamos, “de situação”. Ou seja, versos sobre a eleição, e mais, versos sobre o presidente, coisa muito a propósito, considerando a data. A plateia aguçou os ouvidos, muitos se ajeitaram em seus assentos, a atenção era total. Quando acabou, foi bem aplaudida. E não só ela: a sua iniciativa foi o estopim de muitas outras folhas, guardadas em pastas, bolsos ou arquivos, que os poetas de fato ou poetas bissextos presentes guardavam nervosos, a espera de uma oportunidade. E eis que ela surge. O poeta fleumático que se sentava na gaiola logo tomou a palavra, e narrou seu excerto sobre Pútin, uma reflexão sombria do presidente em seu terraço, concernente à atual situação da Rússia, qualquer coisa assim... depois dele, o magricela, com seu sorriso debochado, subiu ao palco com uma sátira metrificada do futuro presidente. E um terceiro, careca ainda inédito, também revelou sua produção sobre o atual primeiro ministro, e até um quarto incógnito subia ao palco, quando...
         - Com licença! – gritou da entrada do bar uma garçonete. – A polícia está aqui, e disse que houve a denúncia de uma bomba instalada aqui nas imediações. Sinto muito, mas temos de pedir a todos que se retirem o mais depressa possível, é pedido deles, muito obrigado, e desculpem.
         Assim o sarau, em dois minutos, acabou. Só tivemos tempo de pegar nossos casacos, e no corredor esbarramos com três ou quatro policiais com enormes pistolões em punho. Cumprimentamo-os cortesmente, e seguimos calados até a saída. Mas lá havia ainda mais policiais, uns sete ou oito, e duas viaturas de sirene ligada, parte da rua fechada, justamente a da entrada do bar. A russa que nos acompanhava, o violão que não pode tocar nas costas, tomou coragem e se dirigiu ao aparente coronel.
         - Com licença... pode nos dizer o que aconteceu?
         - Nada demais, coisa de praxe, hoje é dia de eleição, não sabem? – Respondeu sem paciência a figura rechonchuda, atrás dos espessos bigodes. Olhou ao redor e franziu a sobrancelha – Vocês são de onde?
         - De vários lugares... – respondemos em coro, olhando em volta, e tomei a iniciativa. – Eu, por exemplo, sou do Brasil.
         - Ah, do Brasil? Pois desejo tudo de bom para o Brasil, aqui a coisa não vai bem, adeus.
         Insinuou para que fôssemos, e, bem, fomos, ainda constrangidos com as estranhas coincidências, em silêncio até a estação de metrô, de onde rumamos para um café nas estação das Lagoas Limpas, no subterrâneo, lugar calmo e ignoto, onde passamos a tarde sem mais conversar sobre política. Apenas assuntos agradáveis, como literatura, poesia e belas artes, conforme notamos, na mesa ao lado, um sujeito quieto e de olhar atravessado.

domingo, 25 de março de 2012

Biblioteca de nome Lênin


Às oito horas da noite, me vejo novamente parado diante dos trilhos de um trem subterrâneo, à espera daquele que me levará para casa. Felizmente o horário já nos permite respirar e nos mover na Estação Biblioteca Lênin – acesso a outras três estações importantes, num centro estratégico da cidade, comparável, talvez, à praça da Sé, se a praça da Sé não fosse absolutamente incomparável. Estivesse eu aqui às seis horas da tarde, seria impossível escrever estas linhas: estaria lutando pela sobrevivência. Mas o dia já se foi, todos já estão em suas casas, e eu de meu lado dou-me ao luxo de observações levianas.
         Observo, por exemplo, fixamente, a parede diante de mim. Ao fundo da estação um relógio conta os minutos para o próximo trem, russas formosas passam aos enxames pelas minhas costas, um policial me observa, mas não penso em outra coisa além dessa parede suja, gasta, inacessível pela distância de dois trilhos tão úteis quanto fatais. Assim como o intervalo entre os trens forma um bolsão de eternidade, essa parede forma um aspecto de minha existência: marrom, rajada, mais escura deste lado e... clara, muito clara na exata área de um retângulo.
         Aperto meus olhos para decifrá-la: dentro do que de fato revelou-se um retângulo, percebo ainda uma série de divisões internas, também claras – são retângulos menores, dentro dos quais, num tom mais claro de superfície empoeirada, vão surgindo buracos e mais buracos redondos, fundos, estreitos, regularmente distribuídos pelas recém-descobertas subdivisões. Fato este que me assusta – será que o trem demora? Miro o relógio com importância, apenas dezoito segundos se passaram, e percorro o caminho oposto ao do trem de volta à minha amiga parede, mas agora com novidades: meus olhos esbarraram no trajeto com outra face de sua superfície, onde se lê        
         «БИБЛИОТЕКА ИМЕНИ ЛЕНИНА»
            «BIBLIOTECA DE NOME LÊNIN»
e a minha relação com a parede se transmuda em torturante curiosidade. A primeira ideia é a comparação: caminho, meço, calculo, marco com os olhos tamanho e forma de cada letra, e também os espaços entre cada letra. Mas quando volto – meu trem, não chega? – percebo com desâmino a total incompatibilidade entre o meu espaço em branco na parede marrom e as letras óbvias a nomear a estação, para os desavisados. Até porque repetem o nome das estações sempre que o trem se aproxima, como em qualquer lugar.
         Quais as outras possibilidades? Calculo a distância para
«СОЮЗ СОВЕТСКИХ СОЦИАЛИСТИЧЕСКИХ РЕСПУБЛИК»
e também me frustro, ainda mais. É mil vezes maior! O espaço que me encara não suporta tantas letras, tanto território espalhado entre Ásia e Europa. Buscar outras frases, sim, mas quais? O primeiro trecho do hino? Tampouco, pior ainda... algum jargão, como a frase de Marx? Ou alguma de Lênin? Como se soubesse... e de quebra qualquer frase que ali se colocasse sobraria, o imperceptível retângulo oculto entre os trilhos – o trem já se ouve, aproxima-se -, não comporta tudo que pensei. Guarda em silêncio triste o seu mistério, talvez vergonhoso. Mas o que há de vergonhoso ou datado, porque remover os letreiros? E fico pensando se alguém dissesse àquele que os colocou que dentro de quarenta ou de trinta anos seriam removidos – Louco! gritaria o operário soviético. – Louco! gritariam para mim se parasse alguém e perguntasse o que algum dia esteve escrito ali. E não só ali: sair por todas as ruas e estações, perguntar aos muros e praças o que viram, o que escreveram, o que apagaram com rancor e, talvez, contra a própria vontade. Ir a outros espaços em milhares de estações, alguns, com hinos, com camaradas, outros com assustadores espaços em branco, talvez de Stálin... fazer isso rápido, depressa, antes que...
         O trem chega, e sem argumentos, volto para casa para jantar, junto com centenas de outros cidadãos exaustos... desconhecem a praça da Sé.

sábado, 17 de março de 2012

Setor V, sétimo andar à esquerda


“Nunca à direita”, como diria Maiakóvski, “nunca à direita”. Se bem que eu não saberia dizer qual seria a impressão de Maiakóvski se por acaso, ressuscitando como bem queria, viesse parar no setor V da Universidade Estatal de Moscou, no sétimo andar, à esquerda. Não que este aconchegante e empoeirado cantinho, de onde escrevo, seja qualquer coisa de hediondo. Mas para chegar até aqui, de metrô, suponhamos, o grandioso e revolucionário futurista teria de ter passado por lugares terríveis, com anúncios anglofonizados, shoppings norteamericanizados, bêbados tristes nos vãos das estações e automóveis de luxo correndo pelas avenidas, e se não tivesse composto o melhor e mais triste de todos os seus poemas, teria provavelmente voltado para sua cova. Uma pena, pois de minha parte adoraria recebê-lo: o quarto é pequeno, mas não rejeita visitas.
         O prédio principal da Universidade, construído nos anos finais do Stalinismo, se localiza mais ou menos longe do centro de Moscou, às margens do rio que dá nome à cidade, perto das colinas Borobiôvy, que até vinte anos atrás se chamavam colinas Lênin. Como qualquer cidade universitária do finado século XX, é um perfeito projeto de meio de nada. Prédios esparsos, de faculdades estranhas, bosques cobertos de neve, praças inóspitas, avenidas enormes, estudantes encasacados correndo por todos os lados – eis tudo, pelo menos no inverno. Já nos arredores, ah, ai sim, se encontrará algum movimento urbano, embora distante, como tudo nessa cidade: alguns restaurantes, camelôs, um shopping, onde a massa de estudantes duros, como eu e, quem sabe, Raskólnikov, costuma ir fazer suas compras, duas avenidas enormes,  com motoristas mal-humorados correndo sem pensar em nada, e no meio das quais a lotação tem por costume largar sem dó todos que precisam ir para o metrô - aliás, maravilhosamente bem distribuído pela cidade - e por fim também alguns prédios – a esquerda magníficos, à direita cafoníssimos - e um enorme e renomado circo, que, garantindo a dose diária de bom humor necessária a todo e qualquer país em desenvolvimento, gera a dúvida em cada cidadão, e, principalmente, em cada acadêmico, de por quê construir dois circos justo um do lado do outro
         Pois muito bem: no segundo circo “de nome Lomonossov”, agora, moro eu, no setor V, sétimo andar à esquerda. Confesso que, ao escrever essas linhas e ao observar o amarelado papel de parede que me envolve, a poeira grossa sobre a mesa bamba, os jornais que tapam o vitral quebrado de minha porta e ao ouvir o ronco de meu vizinho alemão, não posso deixar de sentir alguma coisa por não morar na literária Arbat, na glamorosa Tverskaia, na calma arborizada de Tchistye Prudy... mas tampouco posso deixar de ser feliz nesse cantinho, talvez por ter clara a perspectiva de só mais 4 meses, lembrar dos preços irrisórios do aluguel ou, ainda, por saber que no mínimo é uma história interessante. O dito prédio principal é um monumento de uma época, de um século inteiro, é mais do que uma universidade. E embora caído, um pouco mal cuidado, velho, não há como não se impressionar com o seu tamanho, com a sua simbologia, independentemente do que alguns saudosistas da Guerra Fria queiram lhe atribuir, bem ou mal, não importa. Cinco torres se distribuem, como no número cinco de um dado, por entre praças e aleias gigantescas, sendo que a torre central, o setor A, é a maior de todas. Lá não mora ninguém, só há misteriosos escritórios, salões nobres, quadros, tapetes, troféus... já é tarde, e vejo de minha janela algumas luzes que nunca se apagam. No ponto mais alto da torre, a foice e o martelo se projetam, com as letras CCCP, onividentes, e o mesmo na entrada principal, entremeados por enormes estátuas de operários e operárias, com ferramentas, mapas e globos terrestres, encarnando o casamento entre a técnica e ciência, o projeto de homem que conhece e que faz.
         Mas o fato da URSS ter caído há mais de vinte anos dá a isso tudo, certas vezes, um triste ar de ruína. E são tantas as informações que passam pela cabeça da gente num único dia, que uma foice e um martelo dificilmente se diferenciam de um anúncio do Fantastish Media-Market ou do dia da Defesa da Pátria... mas às vezes percebemos a sua anacrônica e real existência, e não só na universidade. De muitos dos prédios públicos o novo governo fez questão de remover a majestosa simbologia do antigo regime, assim como fez com inúmeros monumentos, mas em outros, principalmente estações de metrô, e prédios efetivamente estatais, seja por respeito à própria história ou por mera preguiça, tudo ficou como antes... e tem algumas coisas realmente lindas, como o painel de uma árvore, representando cada uma das nações da União Soviética, na estação Tchékhovskaia, se não me engano. Outras, julgaram indispensável tirar – não se encontra nas ruas mais nenhuma estátua de Stalin. Mas no caso da Universidade Estatal, a altura e o tamanho da simbologia dificultam bastante a remoção dos brasões.
E depois: pôr o que no lugar?
Tudo isso dá certo ar de fantasma a esta construção, principalmente a sua própria arquitetura: as torres parecem ser onividentes, soberanas... do pequeno cômodo, de onde agora escrevo, não consigo enxergar se alguém me vigia; sempre resta essa dúvida, mas não me arrisco a pô-la à prova. Ainda ontem inventei de fumar no quarto, o que não se pode, não tive coragem nem de permanecer junto ao parapeito. Já não bastasse o frio que entrava pela janela aberta, achei melhor me esconder atrás da parede, batendo timidamente as cinzas só quando estivessem enormes, à beira da queda. Só a vista me dava a certeza de estar sendo observado por alguma das milhares de janelas iluminadas, que preenchem o horizonte de meu humilde e cômodo buraquinho. Os corredores que me cercam são extensos, vazios, e a numeração das salas segue um critério muito curioso e próprio, que, confesso, ainda não tive a capacidade de compreender, e que para tanto talvez seis meses não bastem. Mas resta sempre a certeza de uma ordem, secreta, oficial, operante atrás das portas pesadas e sobre os tapetes, atrás das paredes... mesmo que o estado venha abaixo, mesmo que venha outra revolução, essa ordem permanecerá nas paredes.
         E para completar essa impressão, à cada entrada, à cada setor e porta desse velho prédio se localiza uma dupla de guardas, um sempre sentado e o outro sempre de pé, cuja única função parece ser passar rapidamente a vista pelos documentos semiabertos que os estudantes mostram, quando entram, e fazer um pequeno aceno com a cara séria. Volta e meia eles decidem pegar o tal documento, olhar com interesse, olhar de novo para a cara do cidadão e depois devolvê-lo com um gesto para prosseguir. Claro que alguns são barrados por gatunagem. Até tentei fazer amizade com a dupla do meu respectivo setor, puxar assunto, ser gentil; mas quando já conseguia alguma simpatia mudaram o pessoal, coisa que fazem toda a semana, e lá estava eu na estaca zero.
         Desanimado ante a constatação, prossegui para o meu buraquinho, querido quarto, minha casa na imensidão moscovita... mas demorei para desenvolver esse atual afeto. Noites de luta com o aquecedor, uma bacia sob a pia vazada, três dias de faxina, rearrumação dos móveis e longas conversas com a janela foram necessárias antes que pudesse, finalmente, soltar aquele suspiro de satisfação que só se solta quando se chega, exausto, na própria casa.
Outras coisas, agora engraçadas ou simplesmente habituais, também me impressionaram nos primeiros dias. Por alguma razão histórica a privada e o chuveiro ficam em cômodos separados, coisa que no começo era incompreensível. Logo depois, todavia, percebi como isso evita complicações sobre o uso do banheiro. Este também foi o meu medo principal: a julgar pela aparência velha, e de todas as dificuldades que tive com o aquecedor, jurava que o chuveiro seria a pior das surpresas, que a água não iria esquentar, ou que não bastasse, enfim. Mas é sem sombra de dúvidas o melhor chuveiro que já tive em toda a minha vida, só faltava colocar uma banheira, e isso me salvou de perder o saudável ato brasileiro de tomar banho todos os dias. Da mesma forma morria de medo de meu colega de quarto: se pegasse um mala ou mesmo um canalha, como alguns conhecidos tiveram o azar, estaria ferrado pelos próximos meses. Mas trata-se de um alemão simpaticíssimo, separado por azar dos seus compatriotas, que moram todos no andar de baixo. Apesar de roncar, não falar uma palavra de russo, deixar as luzes acesas e acordar às vezes ouvindo música eletrônica, é sem dúvida um dos melhores colegas que se poderia arrumar. Há casos realmente assustadores... e de fora, quando adoeci, veio muito presto com medicamentos europeus e até hoje pergunta assiduamente sobre a minha saúde.
O fato de viajar nos obriga a renunciar certas comodidades burguesas, até mesmo a título de lição de vida: assim, vi-me livre de alguns supérfluos, como torradeira, escorredor de louças, abajur, geladeira... esta última, a perda mais dolorosa. No princípio eu relutei, fui atrás de responsáveis, argumentei. “Se quiser, posso ir comprar”, foi a conclusão a que chegamos. E eu, que não sou lá muito chegado em gastar dinheiro com parafernalhas, vou me virando por enquanto colocando os queijos e frios na janela, que além de barata tem a capacidade fantástica de gelar as coisas com muita rapidez. Ideal para festas. Embora só funcione até o fim do inverno, e depois Deus que me ajude, porque...
Bem, é de se imaginar que um lugar como esse tenha lá a sua pequena comunidade de baratas, ou melhor, de baratinhas, porque o tamanho que alcançam aqui obriga o uso do diminutivo, não são daquelas para se levar a sério. E de fora não fazem mal algum: no meu quarto, só apareceu uma, e todo dia de manhã, quando vou à cozinha ferver um bule d’água, três ou quatro muito gentis sempre me recepcionam. Não sei se também estão tomando seu café da manhã, para depois ir cuidar de outros afazeres, ou se por acaso passam o dia inteiro por lá, porque confesso que apareço muito pouco na cozinha.
Ela funciona como uma embaixada chinesa em cada andar, especialmente no sétimo. Minha relação com esse cômodo do fim do corredor se resume a ocasionais bules de água fervida para o chá preto, quando uma noite mal dormida me nega tanto a vida quanto o sono. Já para os chineses, a cozinha parece ser a extensão natural dos seus quartos, especialmente reunidos no sétimo andar. Andam em grupos pelo menos de três, invariavelmente, e sempre que resolvo ir à cozinha, encontro-os muito ocupados com os mais diversos manjares, legumes, carnes, panelas, temperos, cogumelos e folhas que eu, incompetente frequentador do refeitório número 2, condenado a ocasionais porções de arroz com porco frito, não posso deixar de invejar. Inveja branca, claro, pois são das pessoas mais simpáticas e gentis que se encontram nessa universidade cinzenta. Embora deixem o corredor sempre com cheiro de cebola.
Todos esses fatores extraordinários, e diários, reunidos subitamente na vivência cotidiana, fizeram com que nos primeiros dias eu não ousasse pôr o pé para fora do quarto,  tamanho era o meu espanto e a minha completa incompetência para com as novas situações. O medo me domava, e, vestindo o mesmo pijama por até três ou quatro dias seguidos, tirando-o só para tomar banho, resistia teimosamente a qualquer contato com o mundo lá de fora, indo assustadiço e resmungando aos compromissos inadiáveis. Mas, aos poucos, fui ganhando alguma confiança, e se ainda não perdi o medo de todo, pelo menos a curiosidade se tornou mais forte. Quando finalmente a comida acabou, terminei meu livro do Sabino e quando já não aguentava mais o clima pesado de meu quarto, sob o risco de cometer um assassinato teórico, resolvi pela primeira vez sair sem objetivo claro pelas redondezas, ou pelo menos pelo próprio prédio, a título de reconhecimento e intimidade espacial. Ou simples assassinato do tédio ou busca por ar fresco, se tivesse sorte. 
Depois de vestir três habituais camadas de roupa, ganhei o corredor, a passos lerdos, sem nada em mente. Ainda nem sabia se iria de fato passear pela universidade ou se ficaria pelo próprio prédio, mas a vista de um humilde e tímido solzinho, que se sugeria através das enormes janelas lacradas, me fez optar pelo ar livre, mesmo que aqui, nas bandas do norte, sol não seja de maneira alguma sinônimo de tempo bom, ou não tão ruim, enfim. Às vezes o sol faz com que fique até mais frio, mas mesmo assim basta para encher o peito de qualquer criatura saudosa de luz solar. Atravessei o salão principal, sem prestar atenção nas bancas de livros ou de flores nem na misteriosa escadaria do setor A, dobrei à direita e segui para a porta dos fundos, esbarrando sem querer em algumas moças que corriam na direção contrária. E logo já estava em céu aberto.
De fato, não tinha me enganado: um sol fosco e frio iluminava levemente o fim de tarde da universidade, com alguns estudantes fumando juntos às imensas portas e estátuas, alguns velhinhos olhando a paisagem, algumas crianças em excursão, cachorros deitados na neve... uma fila de vãs parava do outro lado da rua, esperando passageiros, e a praça à minha frente se alongava como sombra até uma avenida, rodeada por faculdades antigas e, bem no meio, uma estátua imponente de Mikhail Lomonóssov, cuja cabeça alguns estudantes tentavam acertar com bolas de neve. E um vento gélido pôs-se a soprar à minha direita, fazendo com que eu maquinalmente me enrolasse melhor em meu casaco fino e descesse a escadaria numa só carreira, dobrando depois à esquerda, por força de hábito, e seguisse em frente.
A neve espessa ainda recobria boa parte dos caminhos, pelos quais passava distraidamente, escolhendo ao acaso uma esquina ou uma aleia conforme agradasse os olhos. o que não é difícil: a universidade é realmente majestosa, apesar do matiz branco que a atual estação do ano impõe a tudo e a todos. Ao longe se avistava a torre  imponente e onipresente do prédio principal – a garantia que tinha para não me perder. Prestava atenção principalmente na arquitetura dos prédios, sólida, maciça, com certas pretensões ao clássico, em alguns, e em outros o estereótipo do bloco pesado e concreto do Socialismo Real. Neste último foram feitos alguns prédios mais recentes, posteriores ao primeiro projeto.  Mas mesmo assim maravilhosos e sensíveis se comparados às aberrações em vidro e tons de dourado em que construíram o novo prédio da biblioteca e, infelizmente, a faculdade de história. E sempre com qualquer coisa de histórico, de ponte para outros tempos, que torna mesmo a art nouveau do centro de São Paulo bonita, sendo que os modernistas a abominavam. E se eu tivesse vivido nos anos 50 aqui, na União Soviética, teria abominado esses prédios também, opressão calada, cínica, sólida, e jogaria em silêncio aquela mesma pedra de Hélio Pellegrino...
Foi quando percebi que já não havia mais sol: havia neve, a princípio fina, mansa, mas que em pouquíssimo tempo engrossara e começava a cair com certa fúria. E, de fora, anoitecia. Outro bloco de vento, desta vez pelas costas, veio ao meu encontro, confirmando a minha vaga suspeita de que já não tinha mais pernas nem pés e era por pura magia que conseguia me sustentar e andar até mais rápido do que se os tivesse. Sem chance: era preciso voltar. Tornei meus olhos para a paisagem, atrás da torre onipotente, mas era inútil: a neve cobria o céu, não se avistava. Com um sorriso do sentimento irônico da vida, chutei um torrão sólido de neve e sem mais opções passei a simplesmente andar na direção contrária à que vinha vindo. Mas não demorou para que fosse parar num lugar ainda mais desconhecido do que aquele onde estava antes, com umas obras de um poço, uns tapumes, e mais nada. Parei, respirei fundo, tentei sentir minhas mãos, mas, não conseguindo, voltei ao problema da volta ao sétimo andar do setor V. Era demasiado vaga a memória que tinha do caminho que fizera – são os riscos de se andar sem direção! Devia era ter ficado no meu cantinho, que ideia estúpida essa de sair de lá! Inverno do cacete... mas um vulto se assomou naquele nada, e pude distinguir um gorrinho, um casaco ao estilo Michelin, passos apertados... não se via o rosto. E não hesitei.
- Por favor! Você sabe onde fica o prédio principal?
- Ehn?
Por debaixo do gorrinho, vi dois olhos puxados e negros, de incompreensão. Era um chinês, e, pelo jeito, detentor do nível médio de conhecimento de russo dos chineses daqui – insatisfatório. Mas era a minha única solução. Respirei fundo, e perguntei lenta e simplificadamente:
- Você – vai para onde?
Ele estranhou, mas logo teve uma epifania.
- Ah! Para casa!
- Você – mora onde?
- Eu mora em MGU
- Ah! Eu – vou lhe seguir! Eu – estou perdido!
Se ele entendeu ou não, eu não sei, mas acho que lhe pareceu bastante estranho que eu o seguisse, tanto que em alguns momentos se virava para trás, me olhava e seguia ainda mais rápido. O que de minha parte era perfeito – não podia mais aguentar o frio da rua. Sair para passear, que ideia... e qual seria outra solução? Esperar a primavera? Tolice. O melhor era mesmo seguir o chinês, e não deu outra – como suspeitava, tratava-se de meu compatriota do sétimo andar do setor V, só que ele morava à direita. Agradeci do fundo de meu coração – o que talvez ele tenha entendido -, e corri para o meu quarto tomar um banho quente, para depois tentar sintetizar, em literatura de baixa qualidade, algo dessa experiência de viagem, desse universo alheio. Mas sinto que, enquanto escrevo, nesse quarto amarelo e empoeirado, cuja cortina abri para que a noite me ajudasse na solidão infernal, alguém do outro lado do prédio – um escritório na torre central, luz acesa até as duas da manhã! – me espia e toma nota de todas essas bobagens. Quando eu olho – desaparece. Mas é só eu me curvar novamente sobre meu macintosh que a cabeça se ergue novamente à janela, e se põe a me espiar. De modo que é melhor ir dormir, ou ler em silêncio e recato o meu Maiakóvski.

sábado, 10 de março de 2012

Saída do teatro


A essas horas o bulevar Tverskói já estava completamente vazio, só  mesmo a neve suja, começando a derreter, ocupava os bancos do jardim, ao centro da rua. As árvores - essas havia muito já estavam desfolhadas. Poucos carros passavam por aquele trecho. Mas o fim do espetáculo no Teatro de Arte Gorki fez com que o suspeito silêncio de uma sexta-feira se quebrasse, revelando-se do interior de todas as casas e prédios muitos bares e teatros. A multidão descia as escadarias com uma calma nervosa, ganhava a rua, seguia entre conversas ou silêncios para a esquerda e para a direita, principalmente, para a estação Púchkinskaia.
         Eu devia ter ido à direita, mas por certo ânimo e certa distração de sexta-feira, tomei calmamente o caminho contrário.
         Não somente pela atração do jardim vazio, sombreado pelas janelas claras e algumas lamparinas, pelas casas do velho bulevar, pela noite de sexta-feira... a tudo isso somava-se o efeito de uma peça de teatro, coisa que aos de nervos mais frágeis e imaginação excessiva sempre gera efeitos de longo prazo. Ao menos uma noite, a em que o espetáculo foi visto, dependendo, obviamente, da qualidade e da relevância da obra. No caso não só de altíssima técnica, precisão, expressividade – afinal estamos na Rússia, e num dos teatros com a mais forte tradição de Moscou -, mas também uma obra relevante para mim e ainda mais para as ruas que tentava ganhar vagamente ao ter tomado o caminho da esquerda, encarando os prédios, apertando as mãos nos bolsos contra a hostilidade dos ventos e dos raros pedestres.
         Era Moscou, e não outra cidade, que os postes e uma lua cheia iluminavam com segundas intenções. E a Moscou de Mikhail Bulgákov, de cujo romance “O Mestre e Margarida” acabava de assistir uma adaptação – e que adaptação! Assim como deve ser: simples, pura, consciente que a linguagem receptora, o teatro, é distinta das letras e palavras do original. Tão forte fora o resultado, pelo menos em mim, que perdi a direção óbvia de um metrô para casa, e saí vagando com um sorriso discreto, para tudo que o bulevar Tverskói pudesse ter de simples ou extraordinário.
         Moscou, 1930... ou qualquer ano próximo, na região de Patriarchie Prudy, verão. Lá dois literatos, completamente a par das tendências literárias de seu tempo – a causa proletária, a construção da União Soviética -, discutem por acaso a (in)existência de Jesus Cristo, já estando fora de questão a sua santidade (os dois são ateus). Mas um terceiro vem se juntar subitamente à conversa, com muito interesse pelas opiniões dos dois intelectuais, embora discorde categoricamente que Jesus inexistisse, e mais do que isso: para comprovar sua opinião, narra o encontro de Cristo com Pôncio Pilatos. Não qualquer versão lida em um dos evangelhos, não!, o que ele mesmo, Satanás, testemunhou com os próprios olhos.
         A incompreensão dos dois literatos, que o julgam louco até que suas profecias se cumpram e eles mesmos enlouqueçam, reflete a própria tolice humana ante tudo que é maior e foge ao nosso controle. E a visita de Satanás à capital soviética traz consigo a crise de um mundo racionalizante tanto quanto absurdo, sem saudosismos românticos – um romance antifáustico, intimamente ligado às ruas e instituições de Moscou.
         Moscou... dobrei outra esquina, e já não entendia com clareza onde estava. Lembrava da direção do metro, e era o bastante. De tal modo o espetáculo e a recordação de um dos melhores romances que li agitavam minhas ideias e meus pés e minha respiração, que precisava urgentemente achar... se eu soubesse o quê! Talvez um mapa me respondesse. Mas parecia claro que já tinha achado: cada passo parecia me confirmar, pois conforme me distanciava do teatro de arte a noite se tornava mais e mais clara, não por conta dos postes de iluminação sobre o jardim sombrio, mas por conta da própria cidade. O que vim fazer aqui, além de ir ao teatro?
         Uma resposta: foi o romance de Bulgákov que me apresentou Moscou pela primeira vez, de forma fantástica mas real, afetiva... e ainda estranha por ser Moscou mesmo, e não Petersburgo, como a maioria dos livros russos que já li costuma ser. Não a pura abstração geométrica, não as noites brancas, não a Veneza oriental – a capital antiga, a capital moderna.
         Já me aproximava do fim da rua, uma imensa rodovia, carros corriam a milhão, atrasados para festas, provavelmente... do outro lado a obra escurecida de um novo shopping-center marcava o fim do passeio romântico. Não havendo para onde prosseguir, nem sequer onde ou com quem parar, tomei o caminho de volta, com um sorriso vago atrás do cachecol e da boina , que me sombreava da lua cheia.
Depois de uns trinta passos pude avistar o jardim, novamente, mas agora podia ver uma pequena porteira aberta para o seu centro, onde um caminho levava à mesma direção do metrô. Bem mais mal iluminado, exceto por alguns trechos de postes junto a estátuas soterradas, e alguns cartazes de novas temporadas dos teatros da região. Os primeiros, pelos quais passava com calma, estavam ilegíveis pela escuridão. Mas após mais alguns dez passos pude encontrar um cartaz junto a um poste, como que feito especialmente para aquelas informações. Saindo da minha distração, percorri com os olhos cada peça e cada teatro anunciado, atenciosamente. Já não poderia ficar muito tempo sem assistir outra peça como aquela... mas a lista era imensa, e cada teatro apresentava, só no mês de março, mais de quinze peças... o frio se agitava, com pressa, soprando também no sentido da estação Púchkinskaia, envolvendo-me como um outro sobretudo. Precisava voltar! Que a programação ficasse para outro dia.
Ao tornar ao caminho aberto em meio a neve, percebi num dos bancos – vazios e escuros como todo o bulevar – há uns dez passos uma figura sentada, calma, lendo um livro que não pude identificar, tamanha era a bruma que envolvia o resto do caminho, sem postes, uma avenida zumbindo ao fundo. Não o havia visto antes. Assustei-me, a princípio, mas me recompus rapidamente e como que não pude deixar de observá-lo – e ele não dava por isso, seguia lendo, um vago sorriso iluminado de prata nos lábios pálidos, rosto bem barbeado. A roupa se fundia aos tons da noite, clara onde a lua, através dos prédios, conseguia alcançá-la, e indistinguível do banco pelos outros lados, até o alto chapéu. Ao seu lado, descansava uma bengala.
A atenção que passei a prestar nessa figura retardou ainda mais o  meu passo errante, na direção do metrô, e os simples dez passos se tornaram maiores do que todo o passeio que havia feito antes. Quando me aproximava finalmente do banco, a lua reapareceu por detrás de uma das construções do bulevar, cheia, clara na noite azul, iluminando as árvores desfolhadas e o lado esquerdo do bulevar, onde outro espetáculo acabara de acabar e a rua começava a se encher novamente de ruídos e passos em direção à estação Púchkinskaia. Alguns taxis paravam, um casal murmurava ao final do jardim, onde a estação já se avistava. Por detrás do banco, um vulto negro saltou e avançou em mim, que tropecei no susto e quase cai no chão congelado, não fosse uma árvore do outro lado do passeio. Achei que ainda fosse ser mordido, mas uma corrente o deteve, e só ficou latindo.
- Siéver! Siéver! Fica quieto! O que é que é isto, avançar nas pessoas! O senhor se machucou? – dirigiu-se para mim a figura, deixando o livro sobre o banco e dando palmadas num cachorro enorme e babão, preso por uma corrente.
- N.. não, não, não aconteceu nada. Apenas... me assustei.
- Peço desculpas – sorriu o homem, com trejeitos extremamente gentis -, ele não costuma agir dessa maneira. É possível que tenha sentido algum cheiro no senhor... ou se assustado também. Mas é um bom animal. – Sorriu para o cachorro, afagando-o, mas logo reassumiu a mesma face curiosa, mirando, distraído, o chão. – Você não é russo, não é?
- Não, sou estrangeiro.
- Hum, de onde?
- Do Brasil, conhece?
- Do Brasil! – Levantou os olhos para o nada, sorrindo, impressionado – Isso é realmente fantástico! Quem diria! E me diga, ehn, qual a religião de vocês, lá no... Brasil?
- A católica, eu acho... mas também tem muitas outras, e até...
- Ah, sim, a católica, - me interrompeu, ainda fitando o nada. – De fato. Certo. Pode me dizer as horas?
- O quê?
- As horas, sabe? – me olhou muito sério. – Sabe que horas são?
- Ah, sim, sei, só um momento – apressei-me para alcançar o celular do bolso. – Agora são... quinze para a meia-noite.
- Mas já?! Por quê não me avisou? Eu preciso ir, oh, é tão tarde! Adeus, e muito prazer, meu caro Pedro! O mais próximo fica à esquerda!
         Dizendo isso, guardou o livro no bolso e com a mesma mão puxou pela corrente o gigantesco cachorro, que o seguiu muito presto, abanando a cauda. Foram no sentido de que eu tinha vindo, rumo à rodovia engarrafada e às sombrias obras do shopping center. Poucos passos e já desapareciam na escuridão do jardim.
         Eu ainda fiquei parado alguns minutos, apesar do frio agudo que começava a dançar em minha volta, tentando entender, basbaque, como diabos aquele sujeito sabia o meu nome, se eu não me lembrava absolutamente de tê-lo dito e ainda menos de ter ouvido como ele se chamava. Só se eu estivesse enlouquecendo, será? E ainda o que é que mais próximo fica à... esquerda?  Que sujeito maluco! Não era possível, tinha lhe dito meu nome... de que outra maneira ele teria como...?
         Fui caminhando cabisbaixo até a entrada da estação Púchkinskaia, ainda cismando com esses mesmos eternos e estranhos problemas, até que a vista da avenida e o cansaço pesado que sentia me fizeram esquecer totalmente desse caso anedótico. Precisava voltar para casa – em Moscou, muito longe de Pinheiros, de fato, mas mesmo assim minha casa – e dormir, urgentemente. Já nem me lembrava da impressão da peça, ou sequer que havia estado no teatro.
O metrô estava razoavelmente vazio, conseguiria voltar sentado, e depressa. Nenhum espetáculo havia acabado recentemente, só os bêbados de sempre, algumas velhinhas e jovens semibêbados ocupavam a estação. Aproximei distraído meu cartão da catraca, e ia passar não fosse o apito de “alerta gatuno” que a parafernalha começou a berrar, chamando minha atenção novamente aos assuntos prosaicos. O que houve? Tentei aproximar meu cartão mais uma vez, mas a luz vermelha se acendeu com os escritos “Cartão inválido”.
- Hum, acabou o saldo... – murmurei desanimado, me dirigindo à fila do caixa no fundo da estação, onde algumas senhoras aguardavam. Longos três minutos de contemplação da escadaria... já era o próximo. Mas quando tirei minha carteira do bolso de trás, e a abri para pegar o dinheiro, tive a agradável surpresa de a descobrir vazia – quer dizer, vazia de dinheiro, pois estava repleta de papelotes e notas fiscais, uma foto ¾ de minha mãe e de um amigo, a cópia do meu passaporte prestes a saltar fora. Foi em vão que virei e revirei todos os bolsos atrás de dinheiro, até que o sujeito atrás de mim na fila perguntou educadamente quantos anos eu ainda iria procurar, e fui para o canto do caixa. Ao todo tinha 8 rublos e 40 copeques – a passagem custa 28 rublos -, constatei com infelicidade.
- Ah não, mas como assim?! – reclamei baixinho, inconformado. – Não é possível que eu não tenha dinheiro nenhum! No teatro eu paguei 300 rublos, e... eu tinha mais, é claro que tinha... tinha? – não sabia dizer, mas achava que sim. Talvez não tivesse. Só se... lembrei do sujeito mirando o chão, depois que me assustei com o monstruoso cachorro. E a cópia do passaporte querendo sair da carteira... com meu nome escrito! Será que o canalha me bateu a carteira e eu nem me toquei? Mas, não, como assim, não era possível que eu fosse tão besta a ponto de me tirarem e reporem a carteira sem que percebesse. E ele sabia o meu nome... bem, a única hipótese razoável que restou foi a de que sim, eu sou muito besta, e de que o sujeito era um gatuno, mas mesmo assim gentil. Roubou-me o dinheiro e só – documentos, fotos ¾, cartões do banco, tudo estava lá. A solução era... bem, não sei pedir esmola em russo, precisava sacar dinheiro, constatei com ainda maior desânimo. Mas onde eu acharia um caixa eletrônico a essas horas? Praguejei e saí do metrô, virando à direita na rua fria.

sexta-feira, 2 de março de 2012

Um caso de polícia


Sempre me aborreço quando, em manifestações estudantis, em discussões ou qualquer situação de debate sobre a situação de nosso país, ou mesmo do mundo, chega um sujeito metido a Malatesta e proclama, sem mais nem menos, da noite para o dia, o fim da polícia como entidade. Não cabe aqui entrar no mérito ou desmerecimento dessa questão, quer dizer, espero que esteja clara a inviabilidade da ideia nessa geringonça a que chamamos estado, e que Hobbes chamou de Leviatan. Se não for clara, também, tanto faz. Mas isso ainda quando há uma tentativa sincera de formulação e mesmo uma consciência geral do problema; por mais que mínima, mesmo assim é louvável: também há aqueles perturbados que se extravasam xingando o próprio policial de “grande ânus”, “pessoa com chifres”,  “massa frita com recheio de frango” ou mesmo, vejam vocês, “filho de uma profissional do sexo”.
         Também não cabe entrar no mérito de como a mãe do policial ganha a vida, o que faz na intimidade etc. etc. Eu não gostaria que se metessem a falar da minha mãe, e nem acho que isso contribuiria, hipoteticamente, com qualquer defeito ou abuso que eu possa fazer ou ter feito como profissional. Nem com a minha existência na terra. Muito menos com a minha morte, ou desaparecimento.
         Mas convenhamos que, como boa parte do Brasil de hoje em dia, a instituição da polícia é mais um pepino que os militares tiveram por bem deixar, junto com a carta de demissão e algumas instruções  junto à cafeteira, antes de saírem de bermudas e óculos escuros para sua aposentadoria em Fernando de Noronha, ou onde Deus fez por bem os mandar, deixando todas as mazelas de 20 anos de norteamericanização intensiva do país, feitas sob o peso de balas e porretes, em Brasília e em todas as outras capitais.
         Sabemos que a ditadura não acabou com uma revolução. Acabou porque não dava mais pé, como foi aqui com a União Soviética. E dessa forma o modelo de estado que serviu para a redemocratização era a mesma máquina viciada com departamentos de censura e de perseguição ostensiva. A polícia, embora, claro, não tenha mais licença oficial para as calamidades de outrora, pode ser listada entre os problemas herdados.
         Nessa semana, aqui na capital da Federação Russa, o ministério de assuntos internos (assim traduzindo) soltou uma nota oficial de encaminhamento à polícia, para que seja legalmente cobrada a prestar auxílio a pessoas em estado de embriaguez. E espero que a presença das palavras “russa” e “embriaguez” num único parágrafo já bastem para dimensionar o assunto. Bebedeira aqui é outra história, e não é moleza. Não só as bebidas aqui são facilitadas, e baratas como a nossa pinga, como o frio e, às vezes, a mais completa falta de perspectiva principalmente na província levam muitas pessoas a essa doença chamada alcoolismo. E os antecedentes históricos aqui também não faltam: é um problema de longuíssima data. Há lugares aqui em Moscou em que os bêbados de rua se encontram com mais regularidade, não como nas capitais brasileiras, onde é sempre no centro, mas como uma capital europeia que fez por bem leiloar o centro a todas as marcas de luxo ocidentais. Ali, no centro, não se encontrarão bêbados, não à luz do dia. Eles se reúnem nas estações de trem, nas grandes centrais de metrô, nos lugares públicos que restaram, onde possam se aquecer neste inverno de -20 e sei lá quantos graus Celsius.
         Imagine-se embriagado por duas ou três garrafas de vodca barata, trançando pernas atrás de casa (suponhamos que você tenha uma casa) às duas ou três da madrugada, termômetros marcando menos 22. O metrô já não passa mais, o seu dinheiro acabou, foi roubado, não sei, as luzes dançam e se engarrafam com a nevasca constante, na cabeça que gira, gira, gira... e para diante do farol, com sorte. O sono bate, os prédios aqui são distantes como nas Marginais, tudo é longe e nenhum caminho é claro o suficiente para tal estado. Talvez venha um cão e te ajude – as pessoas não se incomodam, é só mais um bêbado -, talvez só lhe reste um poste. E que poste! O lugar ideal para se encostar, neva demais... talvez um descanso, até que as coisas voltem, até que o sol decida nascer. Um pequeno descanso, e nada mais...
         Achar-te-ão, talvez, daqui há 4 ou 5 dias, quando a neve finalmente abaixar um pouco. Mas será tarde: serás congelada e anônima carcaça.
         Porque no fundo em qualquer cidade moderna ninguém se importa com ninguém, digamos, pelo menos 20h por dia. Alguns nas outras 4h se dedicam à filantropia ou à negócios da futura paz universal. Há também os santos e os mártires, que ainda dão sentido à humanidade, mas são exceção: via de regra, nessas 20 horas diárias, estamos sempre correndo atrás de parafusos, contas de banco, aulas, reuniões, bilhetes, cinemas, cafés, shoppings, bicicletas, irmãos, primos, mulheres... e claro, por que não? Também temos uma vida afetiva, sem a qual a vontade de morrer volta toda. Num encontro, um bêbado passa, rindo e chorando, e tenta puxar assunto com você, naquela voz enrolada, incompreensível, mas carente por qualquer ser humano com quem possa trocar a sua amarga experiência de vida. Quem lhe dará atenção...? Pode ser que esteja à beira da morte, pode ser que tenha ganho na loteria. Poucos se importam, e falo por mim.
         No Brasil, é claro, não há neve nem -20 e nem um alcoolismo tão arraigado quanto o daqui da Rússia, o que ameniza a situação, mesmo em março com as chuvas torrenciais. Mas se a polícia russa de fato cumprir essa nova determinação, que implica em responsabilidades reais pelo bêbado que seja encontrado perdido, largado ou, como não raro acontece, machucado por alguma besteira, dará a prova cabal de que a polícia ainda tem um papel a cumprir nessa putrefata sociedade, sem saída aparente, além de enquadrar maconheiros, perseguir suspeitos pela cor da pele, passear pela Teodoro Sampaio ou aparecer no Cidade Alerta. Isso, claro, além de ajudar quando algum trombadinha bate a nossa carteira, quando dois idiotas resolvem tirar um racha às três da madrugada, quando outros dois idiotas resolvem sair na faca ou na pistola, quando um parquinho para crianças se torna boca de farinha... e quando algum infeliz alcoolizado estiver realmente precisando de ajuda. E que isso não se resuma aos bêbados: que um dia a polícia também se preste a ajudar idosos a atravessar a rua, a cuidar da limpeza das praças, a evitar o crime antes mesmo que ele aconteça e que também, ao invés de como tivemos a infelicidade de presenciar, realmente se preste ao auxílio, não ao terror, dos viciados em crack, ajudando-os de fato, como doentes que são.