segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Estranhíssimo matutino

         Agora são quase meio-dia aqui em Moscou, e, finalmente, o sol se resolveu a dar as caras, entrando pela grande janela do fim do meu quarto, sobre o aquecedor de 1950 e tantos. É um alívio tremendo, talvez o maior que sinto desde que cheguei aqui, maior até do que quando descobri que não teria de dormir na rua, ou quando  descobri que meu colega de quarto é um alemão também completamente perdido nestas terras estranhas, esfumaçadas, terras de gigantes, onde os edifícios mal se avistam uns aos outros, tamanha a largura das ruas e dos ombros dos pedestres encasacados, nunca sorrindo.
         Junto ao sol, uma outra das torres da universidade Lomonossov de Moscou se ergue, imponente na sua antiguidade, e se caso eu desconhecesse por completo as suas entranhas, onde vivo e viverei pelos próximos meses, diria sem dúvida tratar-se de uma estrutura eterna e sólida. Mas as ruínas se formam onde menos se espera, e um mato crescido na varanda hoje pode ser a árvore que tragará a pedra com suas raízes... nenhuma suspeita se fundamenta, até que se confirme nas estações de metrô, num gesto súbito, num escritório da universidade, no próprio vento que sopra nessa cidade de fantasmas.
         Ainda não tive coragem de sair de meu quarto. O frio, o medo, a insegurança com uma língua eslava, convertidos todos numa preguiça doentia, se somam em todas as minhas tralhas mal arrumadas e também na minha própria carcaça, maltratada por uma manhã de peso e neve e por um colchão duro, embora meu. Sem contar a forte bipolaridade climática que parece imperar por todo o país, ou ao menos nessa universidade, passando de frios insuportavelmente fustigantes para calores dignos de los trópicos, devido à senilidade dos sistemas de calefação. Ou à minha própria senilidade.
         Como distinguir a incapacidade própria da hostilidade alheia se ainda não me arrisco a ir ao corredor? Parece que não quero acreditar no que vivo, não quero ir ao corredor porque lá tudo em mim vai desmoronar, e é tarde demais para correr, cedo demais para parar. E eu também estou inválido e ossificado, de que valho aqui, neste país tão distante? A resposta permanece, talvez, além das torres da universidade, além do papel de parece, além da minha própria compulsão em escrever.

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