domingo, 10 de julho de 2011

É preciso escrever

Digitei essas palavras para lembrar a mim mesmo, pois se não esqueço. Esqueço? Acho que é mais uma coisa de me atormentar com porquês... ou no caso, quem.
Digo: "é preciso escrever". Quem é preciso?
R. Português é engraçado, par exemple...
Je dis: "Il faut écrire". Qui faut?
R. il.

Os franceses se contentam com muito pouco, mas sempre resta o “por quê?”. Por quê se atormentar com a escrita, com as palavras em geral, hoje em dia? Pode-se muitíssimo bem viver sem ela, e até de um jeito mais fácil: escola, trabalho, esposa, netos, morte. Um abraço.
Quis gerar efeito, nenhuma vida é simples, fujo do tema. Por quê? Esses dias, assisti uma palestra de professores russos, falando sobre a literatura russa atual, como ela vai, se é que vai, etc. E parece que a coisa não vai lá muito bem, já faz uns anos que decretam e redecretam a “morte da literatura artística” (“literatura” sozinha em russo é até bula de remédio), e que as melhores produções literárias são justamente aquelas que querem loucamente assassinar, enterrar e depois chorar a literatura. A isso, a professora Aurora Bernardini respondeu, com uma graça muito característica, citando uma carta de Gógol a Púshkin, ambos grandes escritores russos do começo do século XIX: “mande-me uma anedota, somente uma anedotinha, para que eu possa escrever um conto”.
Nessas, Gógol não escreveu um conto, mas um romance inteiro, e dos bons.
Saí dessa palestra um tanto intrigado. Ora, eu mesmo, e alguns tantos amigos, temos lá uns devaneios de viver da escrita, mesmo não sabendo bem o porquê. E se a peste, que decretaram na Rússia, venha se alastrando até aqui, ou se já tiver se alastrado? Neste caso, seria bom mudar de sonhos logo, a vida não é tão longa assim. Só nesse último mês mandei três textos para três concursos, duas poesias e uma crônica. Se desistisse logo, ganharia tempo.
E ainda tem outra pergunta: para quem? Dessa eu não conheço uma língua que se esquive. Vejo vários desses escritores, quarentões em sua maioria, fazendo lá seus lançamentos em livrarias paulistas, falando com propriedade, bolando novelas... em geral, vão família e amigos, e uns tantos leitores de literatura contemporânea desocupados, conheço até uma senhora que não perde um lançamento de livro, é conhecida por todos os garçons. É para essas pessoas que se escreveria?
Por outro lado, temos aqui em nosso país a tradição, muito interessante, de diversos escritores que fizeram maravilhas em jornais, através da crônica. E o melhor de tudo é que, esses dias, me mostraram um cronista firmeza que ainda está se defendendo na praça, o tal do Antônio Prata. Eu, que me acostumei a ler só defunto, me impressionei: o cara escreve muito bem, e mais, num grande meio de divulgação. Tudo bem que o lavrador nos cabrobrós do Piauí certamente vai morrer sem ler o tal do Antônio Prata, mas tudo depende dos objetivos do escritor: País? Brasil. Estado? SP – capital. Nessas, tudo legal, o cara escreveu uma crônica, brilhante para mim que vivo neste mesmo pequeno planeta, de como passou do email – espécie de cigarro da internet – ao twitter – indubitavelmente o crack.
Está claro como o tema é burguês (sem que isso seja pejorativo, por Deus), mas reparem: colhido na besteira do cotidiano (parafraseando a inscrição de um disco do Noel da coleção Abril), aquela que todos vivem sonhando um dia poder largar, o cotidiano da cidade grande – Rio, São Paulo, Belo Horizonte, Recife, etc. E daí eu me lembro de Manuel Bandeira, com as suas saborosas crônicas, compiladas no livro “Crônicas da província do Brasil”, da Cosacnaify. O estilo é para ser lido em voz alta – Manuel provavelmente conversava tardes inteiras com o porteiro – e os temas! são impressionantes, pela sensibilidade do autor em pegar, ou melhor, recriar os motivos do cotidiano. A morte de um velho professor, uma rua antiga e escondida no Recife, os pivetes arruaceiros do bairro onde morava: tudo isso é fantasiado (discussão longa! “Todo cronista é mentiroso”) de um tal jeito que podemos esperar, depois da leitura, que essas coisas realmente aconteçam.
Daí me lembro da pena de morte da literatura, ora, faltam motivos para se escrever sobre? Paulistas de todo o Brasil, vejam a cidade que habitam, e depois tomemos uma cerveja. Anedotas não faltam, a cidade muda rapidamente e cada cidadão certamente tem muitíssimas histórias para contar. Trato aqui, claro, só da crônica, gênero privilegiado para a divulgação no jornal, ou seja, para ser lido e de fato ter algum efeito cotidiano na vida das pessoas, mas quem quiser fazer contos, ora!, vivemos num grande absurdo, basta ter frieza e caneta, apesar de que eu mesmo escrevo no meu laptop, e não com pena ou numa elegante máquina de escrever. Mas escrevo mesmo assim, para me lembrar de que escrever crônicas é preciso, e que o velho Hegel já há 200 anos pensava no tal do fim da arte.
Quanto aos poetas, a coisa é ainda mais fácil: enquanto houver lua, mulher e morte...

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