Quando
me meti nesta empreitada, ainda na Rússia, cabe dizer, confesso que fui movido
pelo desespero e nada mais. A situação é cínica, como dizia o Adoniran. De
quebra há um trocadilho ainda pior: tá ruço, mano. E está mesmo. Todas as
previsões se mostraram pífias, e o tal do fenômeno Russomanno mostrou a língua
a todos os analistas de jornais: não baixou, cresceu. E está aí na porta de
nossas casas, nas esquinas, nas praças, na televisão, nos meus piores
pesadelos.
O
Serra, creio, dispensa comentários. Espero que estes oito anos de administração
falem por mim: todo o pouco que esta cidade tinha de bom, suas noites, seu
despojamento cultural, sua vida fervilhante, seus tipos, suas ruas, tudo ameaça
desaparecer em quatro anos de mandato. Se é que ainda não desapareceu, como o
defunto que esqueceram de enterrar.
Por
essas e outras acabei me metendo em questões de campanha, na medida do possível,
sem grandes sacrifícios já que a minha convicção não os permite. E digo, entre
lágrimas, com decorado desespero: é 13, Fernando Haddad. O termo campanha, me
parece, tem origens militares. Pois bem, entrei nessa história de campanha como
um pracinha, um cabo, sei lá, daqueles que limpam a latrina e descascam batatas
porque paciência, a vida aconteceu assim, e que um belo dia, ao tocar da
corneta, se viu fardado lutando contra os alemães, na eminência da morte ou do
fim dos pagamentos.
Não
morro de amores pelo PT, embora o admire, não pelas ideias mas pelo realismo,
pelo balde de água fria que deu nas almas mais sensíveis, mostrando como é que
se pode fazer
política na atual conjuntura, sem rachar o país nem nos meter em crises de
qualquer ordem. O meu lado mais lúcido encara tudo como paliativo, e os anos de
lulismo assim não teriam trazido nada de novo, apenas uma atualização do
progressismo de um Juscelino Kubitschek. Já o lado inocente ainda vê alguma
luz, como, com Getúlio e Juscelino, vieram Goulart, Brizola e Arraes. Mas essa
luz pode ser só mais outro farol de carro.
Estamos
a uma semana da eleição, e o cenário ainda é completamente incerto. Quer dizer,
há a triste certeza da Patrulha do consumidor, a cidade na estupidez da ordem e
na orgia do progresso. Nova lei de zoneamento, mais automóveis na rua, Nova
Luz, ônibus a R$3,00, recordes de chacina pela polícia, educação e saúde nos
estados mais ou menos calamitosos a que já nos acostumamos, quase como patrimônios
culturais. E eu de minha parte não quero lavar as mãos, digitando, de qualquer
forma, números confusos na minha seção eleitoral. Digo e repito: o que eu quero
é me comprometer, sejam quais forem os riscos. No caso de Fernando Haddad, não
vejo, com a devida lucidez dos cálculos, que sejam altos. É professor universitário,
homem das esquerdas, e que bem ou mal trouxe propostas interessantes, como o
bilhete único mensal e a descentralização dos polos de trabalho da cidade,
colaborando (paliativamente! mas colaborando) para o fim do trânsito. Vindo
depois do Kassab, certamente terá um prazer quase sádico em desfazer as
burradas mais exemplares da última prefeitura, como o escandaloso caso da
Controlar, a expulsão dos artistas das ruas, a caretificação da cidade em
geral. Ao menos assim o espero, repito: ponho minha língua na mesa. Nada foi
dito em relação ao surto imobiliário, e o receio de assustar o cidadão de bem
pagador de impostos, o consumidor indefeso, é fonte de cautelas para abordar
qualquer solução mais drástica.
Se
perguntarem do Maluf, respondo: o PP emplacou um ministério. O acordo já se
cumpriu.
Quanto aos riscos de lavar as mãos com a
pureza do “nulo”, numa verdadeira masturbação moral, são em parte conhecidos:
José Serra terá também prazer imenso em continuar fazendo o que sempre fez. E
mais: se sair, para o estado OU para a república, deixará no alto poleiro do
edifício Matarazzo mais outro pessedista, que vai achar a cadeira quentinha e a
carta branca pra passar seis anos no governo. O filme é velho e nem graça tem
mais. Mas o filme novo pode ser de terror: espero que o hipotético leitor saiba
alguma coisa sobre as propostas de Celso Russomanno, como as câmeras de vigilância
ou o policiamento ostensivo. Mas também ele é autoexplicativo, tanto pela
figura da Patrulha do consumidor, quanto pelo apoio de igrejas evangélicas ou
pela tradição tão paulista de tipos como este, conservadores populistas. E
desta vez não podemos nem mesmo ter o prazer de gritar “o jeito é Jânio”, ou
ouvir o delicioso sotaque de “brimo” de Paulo Maluf. Repito: a piada e velha e
já não tem mais graça. E os riscos são altos. Já não preciso lembrar que na
atual conjuntura política paulista, dificilmente teríamos coisa melhor, como a
Guanabara vem esboçando timidamente na figura brilhante de Marcelo Freixo.
E foram tantas as decepções com o PT... não,
melhor não pensar, abdico por hora das minhas convicções. Até domingo, quando,
mesário, acordarei às seis da manhã para ir à seção que foi-me por Deus e pelo
Tribunal Eleitoral indicada, nesta última e desesperadora semana de campanha
ponho a honra e os princípios de lado e compro a briga. Não há nada a perder. E
depois de seis anos de Kassab, sob o risco de mais quatro de Russomanno ou
Serra, vai ser necessário um esforço espetacular, sobre-humano, até, da parte
de Fernando Haddad para afundar ainda mais esta cidade, tão boa, coitada,
quanto estúpida. Se tudo der errado é porque no fundo merecemos.
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