Lê-se em reportagem da Folha de São Paulo do dia 19
de setembro do ano da Graça que, até 2015 o rio Tietê, bandeira da capital
paulista, não federá mais. Trata-se de uma promessa espetacular, melhor do que
todas as outras de campanha já feitas em nossa história, até porque,
finalmente, Alckmin não poderá se reeleger, sendo notoriamente a vez do Serra.
Isso se o osso da República tucana for finalmente entregue a Minas, e a
proposta de campanha for finalmente esclarecida como “Viva a república do café”.
Mas
não posso deixar de me decepcionar com o atraso da proposta: o rio deveria
estar apresentável até 2014. De que cor nos pintaremos quando todos aqueles
estrangeiros nos visitarem durante a Copa? Vai que, suponhamos, faz o calor que
tem feito e sobe aquele cheiro... tremendo papelão. Mas não me queixo.
Contentemo-nos com os princípios da honestidade: nenhum rio cercado por dez ou
mais autopistas pode ou mesmo deve cheirar bem, se formos pensar faz até parte
da paisagem... o Tietê é motivo de orgulho, famosíssimo em todas as outras
capitais da Federação, e não por sua tristeza, pelas bandeiras, pelos versos de
Mário de Andrade: ele é famoso pelo cheiro. Claro que também há máximas como “cheirinho
de Copacabana”, e pessoalmente tive experiências olfativas memoráveis no porto
de Manaus, mas é com orgulho e honestidade que afirmo: não chega nem aos pés do
Tietê, que fede invicto na estrela paulista da bandeira da Federação.
O Tietê, como diria Noel Rosa, se fosse
paulista, é coisa nossa.
Diz-se
também na reportagem que o projeto desinfetante do rio começou em 92, data que
me suscitou curiosidade. Lembro-me quando pequeno de ainda ver garças e,
pasmem, capivaras passeando
calmamente pelas margens do canal, certamente imunizadas pelo hábito, ou sem
poder aquisitivo para ir para o Pinheiros – que, fato notório, mesmo não
fedendo menos vale muitíssimo mais. Não é qualquer capivara que pode se mudar
para a marginal Pinheiros, qual! É grande a tentação de explicar esse sumiço
com a especulação imobiliária, identificando um fenômeno massivo de gentrificação
das capivaras, mas isso ainda não se aplica ao Tietê. O fato é que hoje em dia
por lá mal se veem mosquitos, só mesmo umas plantinhas e o cartazinho do
governo: postos de tratamento, ciclovias, etc. Até barco dizem que passa. Mas
seres vivos... bem, houve, sim, o terrível boato dos jacarés albinos, que
habitariam as profundezas do rio. Seres quase que de outro planeta, adaptados àquela
sujeira toda, brancos como vampiros, e também dentuços... teve todo um rebuliço,
mas no fim acabou como uma loira do banheiro qualquer, sem mais.
De
minha parte duvidava que qualquer coisa viva que se preze conseguisse viver
naquele esgoto. Mas o artigo me contradiz: tem uma formidável espécie de peixe
que parece ser capaz, não precisa de oxigênio, respira na superfície.
Praticamente um golfinho. Golfinhos para o Tietê! E há ainda, no meu ingênuo
otimismo, a possibilidade de que seja além de tudo um peixe comestível,
saboroso, típico. Que belo negócio será: barraquinhas de peixe fresco frito às
margens do Tietê. Nem precisa mencionar a cerveja... adicione-se um pôr do sol
e uma Bossa-Nova e daí sim, nunca mais deveremos nada ao Rio de Janeiro. Até
ciclovia as marginais já começam a ter, não duvido que daqui a pouco construam
também um calçadão, se o experimento der certo, e ninguém morrer asfixiado.
Já
imagino, deslumbrado: “Calçadão do Tietê: não tinha, agora tem.”
E
se tivermos fé e esperança de verdade, daquelas que movem montanhas e despoluem
esgotos, poderemos contar com toda uma fauna aquática fantástica, tropical
mesmo, dentro de alguns anos, para alegrar a ressaca da copa e já esperando
pelas Olimpíadas. Nada foi dito, confesso, mas guardo as mais luminosas
expectativas de que, sim, as capivaras, assim como os seres humanos, voltarão
para o Tietê, em clima de País do Futuro. Com ciclovias, oxigênio, calçadão e
bossa-nova, vai se tornar sem dúvida alguma o próximo polo comercial de São
Paulo, junto com a marginal Pinheiros, mas com a incrível vantagem de contar
com um entretenimento muito mais diversificado. A iniciativa poderia até mesmo
ser feita pelo próprio governo, por que não?, importando do interior do estado
colônias de capivaras, dando-lhes a grande oportunidade de viver na capital.
Até porque a capivara, como também diria
Noel Rosa, é coisa nossa.
Em
meio a toda esta euforia, bastaria, talvez, somente lembrar de sinalizar muito
bem as marginais, com os simples dizeres “Travessia de capivaras”, e mais um
desenho, quem sabe, em cada uma das dez ou mais pistas que tem o complexo viário.
Pois infelizmente, ao que me consta, elas ainda não sabem usar as passarelas nem
tampouco o CPTM. Detalhe que, embora simples, tornaria sua vida, num rio imundo
entre dois gigantescos complexos viários, meio infernal, mandando-as sem dúvida
alguma de volta para o interior do país.
Porque no fim a única prejudicada é a população.
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