Meu retorno ao bairro de Pinheiros, ou melhor, meu retorno à rua Cônego Eugênio Leite em seu trecho entre a Teodoro Sampaio e a Cardeal Arcoverde, onde nasci e me criei, foi um verdadeiro fenômeno na freguesia, não só para mim como para todos os amigos, comerciantes e vizinhos que ainda moravam e vivam por lá. Alguns me conheciam desde muito pequeno, e eu fiz questão de tornar minha chegada um evento público: depois de dois anos, quase três, longe do bairro que me fez ser quem eu sou, longe de seus dois viadutos, do cemitério, das floriculturas, dos botecos, de suas ruas planas, dos pinheiros, enfim, e de todos aqueles que dão vida às ruas do bairro, eu estava de volta na minha velha residência, na qual praticamente toda a minha história havia se passado.
Mal terminei a mudança e já fui pela rua espalhar as boas novas, a começar pelo boteco do seu Medeiros, onde quando pequeno eu pegava tampa de coca-cola pra trocar por cacarecos e comia batata-frita escondido da minha mãe.
- Boa tarde, Márcio! Você não sabe, estou de volta aqui na rua!
O dono do boteco saiu do fundo, estranhou um pouco, mas respondeu sorrindo.
- Opa, beleza Pedrão? Tá morando aqui de novo é? Bem, seja bem vindo!
E me ofereceu uma cerveja, que bebi com mais dois ou três sujeitos que frequentavam aquele bar desde que me dou por gente, e que, já meio alcoolizados, também ficaram muito contentes com a minha volta à Cônego Eugênio. Depois foi a vez da floricultura do Renato, em cuja sobreloja cheguei a morar no último ano que passei naquela rua.
- E aí Renato! Passei pra dar um oi, to de volta aqui na rua!
- E aí meu irmão, voltaram pra cá no fim das contas? Só não me vai arrebentar a lona da floricultura outra vez... – e riu. Conversamos um pouco e me despedi.
Depois veio o Cláudio, da banca de revista, o Joaquim da barbearia, o Seu Águido, zelador do prédio, o porteiro de outro prédio, o dono da padaria e o Nélson, o velho Nélson, aposentado que morava há não sei quantos anos numa das casas da frente junto com um cachorro. Todos me receberam com tanta simpatia e carinho, que tive certeza de que aquele era o meu lugar, de onde nunca deveria ter saído na vida.
Mais para a noite, como nos velhos tempos, ia descer a Cardeal pro trecho dos bares, mais movimentado, só que para aproveitar o meu retorno chamei um amigo que havia se mudado há pouco tempo para a rua, para um prédio vizinho. Quando desceu, logo expliquei que nesta noite nós iríamos comemorar.
- Mas comemorar o quê? – perguntou meio perplexo.
- Como o quê? A minha volta aqui para o bairro, claro!
- Mas... Como assim para o bairro? Você não morava na Cristiano Viana?
- Exatamente.
- Isso é aqui do lado, cacete!
- Acho que você não entende muito dessas coisas – lamentei, com paciência. – Veja, a Cristiano Viana pode até ser aqui do lado,umas quatro quadras para cima, mais precisamente... mas o fato é que, olha só, sabe a Henrique Schaumman?
- Sim, o que é que tem?
- Depois da Henrique Schaumman... não é Pinheiros, é Cerqueira César. Outra história, entende? Outro bairro... é mais caro, não tem tantos botecos, pelo contrário, tem mais lojas de música, edifícios novos... umas lojas de roupa. E é uma ladeira só, até o Hospital das Clínicas. Até que umas coisas legais, mas... não, não é Pinheiros de jeito nenhum. É Cerqueira César, é um outro bairro.
E como a comemoração fosse pretexto para que eu pagasse uma rodada, acabou trocando o ceticismo pelo entusiasmo, e bebemos à minha volta até as duas da manhã, quando subimos a Cardeal, margeando o cemitério, de volta à Cônego Eugênio Leite, agora quatro quadras mais perto do que na noite anterior.
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